Rafaela Candido
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Márcia Porto leciona aulas no UniToledo |
A artista plástica araçatubense Márcia Porto construiu uma vida contemporânea aos olhos de pessoas comuns e até mesmo de artistas.
Quem a conhece pela primeira vez a qualifica como uma mulher doce no falar, sorridente e delicada no agir, questionadora de tudo que está ao seu redor e até daquilo que propaga. Mas isso é apenas uma superfície de sua personalidade, afinal, se há uma coisa que a artista gosta de quebrar são os rótulos. Para ela, eles não deveriam existir, especialmente no meio artístico, em que tudo é mutável perante o olhar de cada observador.
TRAJETÓRIA
Os rabiscos ainda sem forma no álbum de fotografia aos dois anos de idade e a observação ao lado, “Minha filha desenha bem, será artista algum dia?”, da mãe de Márcia, Claudemira de Moraes Porto, 69, pareciam prever o sentimento artístico que fluiria na artista durante a infância.
“Sempre gostei de arte. Na adolescência, pintava panos de prato e fazia as coisas mais simples, como camisetas para o bloco de carnaval. Mas nunca me falaram que isso era profissão, que eu poderia viver disso.”
A ausência dessa visão fez Márcia iniciar uma faculdade de Bioquímica. Porém, as aulas de farmacobotânica e anatomia em que desenhava as estruturas de plantas e corpos humanos fizeram uma professora alertá-la sobre o futuro artístico que ela estaria desperdiçando.
Márcia contou com o apoio incondicional dos pais, que a incentivaram a permanecer em Campinas e estudar para ingressar em uma faculdade de artes. Resultado: a aprovação para integrar a primeira turma de artes plásticas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
“Eu estava estudando e ouvindo música quando anunciaram que era o último dia para as inscrições. Saí correndo igual a uma louca. Consegui passar na USP (Universidade de São Paulo), mas minha vida já estava construída em Campinas e foi ótimo.”
CASAMENTO
Aos 21 anos, alguns meses antes de se formar, Márcia iniciou a quebra dos estereótipos que poderiam fazer parte de sua carreira. Ela decidiu se casar. O escolhido era o também araçatubense Moacir Paulo Rovina, 49, conhecido como Lula.
“Por amor, voltei para Araçatuba depois de me formar, pois a pessoa com quem eu queria ficar estava aqui. Os professores, inconformados, falaram que eu iria ‘morrer’ como artista, primeiro porque eu casei e, para eles, artista não pode ter vida ‘normal’. Segundo, porque consideravam aqui um deserto. Diziam-me que a faculdade não tinha nenhuma valia; eles investiram em mim, e eu não frutificaria.”
Márcia provou o contrário. Voltou para Araçatuba, mas viajou ao exterior a fim de complementar sua formação. Assim, ela surpreendeu os professores em uma reunião ao afirmar que possuía cem alunos em seu ateliê, mais do que os presentes no curso de artes da própria Unicamp.
“O voltar não significa regredir. Há um pensamento errado de que o interior serve apenas quando você não dá resultado no grande centro. Na verdade, o interessante é manter contato. Você não pode ficar aqui alienado e achando que é o ‘peixão’. É necessário não perder vínculos e ter a consciência de que é na adversidade que se frutifica.”
Em 1990, Márcia foi para a Itália. Na casa de uma família, trabalhando como babá, Márcia descobriu a simplicidade de seus conhecimentos adquiridos após anos de estudos em uma das melhores universidades do Brasil. “Na Itália, a arte é uma coisa que sai pelos poros das pessoas. Descobri que o meu conhecimento artístico era o básico de qualquer cidadão italiano, não era de um artista. Foi um choque. Descobri que eu precisava colocar os pés no chão e entender a minha verdadeira arte.”
Para isso acontecer, a Grécia foi o caminho. A paixão pela figura de Zeus (deus grego) fez Márcia encontrar a origem da arte que ela gostaria de retratar: o corpo humano. “Quando vi a figura de Zeus, eu só chorava. Percebi que tudo que eu havia estudado existia de verdade.”
Com esse amadurecimento, a artista voltou ao Brasil segura e consciente de sua função artística para abrir um ateliê, a Fare Arte. A Itália, segundo Márcia, ajudou a consolidar o desejo de ser professora que, para ela, é uma forma de encontrar diariamente a sua poética.
Entre 1993 e 1994, Márcia “pirou”, como ela mesma afirma, e foi para os Estados Unidos, onde se descobriu artista.
Na Faculdade de Ilinóis, onde fazia um curso de inglês para estrangeiros, Márcia desenhava nos tempos vagos e se surpreendia quando os demais estudantes lhe questionavam o preço da arte transcrita no papel.
“No começo, eu dava os meus desenhos, só que eles não queriam. Muitos deixavam de comprar vestidos e objetos de consumo para pagar US$ 100 e até 400 por meus desenhos no papel. A partir disso, amadureci e percebi que poderia viver de arte, como foi nos seis meses que estive lá.”
Hoje, Márcia coordena o curso de Design de Moda no UniToledo de Araçatuba, e também leciona em outros cursos da instituição. “Para mim, trabalhar não é nenhum fardo. Em minha concepção, dar aula é um delírio, uma verdadeira obra de arte.”
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