segunda-feira, 5 de julho de 2010

Abuso sexual: o perigo pode estar em casa

Crédito: Diuân Feltrim
Eliane afirma que abusadores podem ter sido vítimas no passado

 "É preciso ficar atento. Apenas pratica o abuso quem consegue conquistar a confiança da vítima”, diz psicóloga

Angélica Neri
Diuân Feltrin
Rafael Lopes

Informações divulgadas pelo Ministério da Justiça, no dia 18 de maio deste ano, data dedicada ao Combate ao Abuso e Exploração Sexual, revelam que, nos últimos oito anos, foram registrados 16.802 casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes. O número é ascendente e, por isso, a temática está sempre em evidência. Porém, nota-se que as vítimas hesitam em denunciar.

Segundo a psicóloga Eliane Terezinha Quadrini, na maioria dos casos, o abusador é alguém conhecido. Isso se deve à confiança estabelecida para que haja a aproximação da vítima. Os casos de abuso sexual geralmente ocorrem no ambiente familiar.

De acordo com a profissional, o medo ainda é o principal responsável pelo baixo índice de denúncias. Normalmente, as vítimas são ameaçadas, dificultando que elas revelem a violência sofrida. Eliane ainda alerta: “dependendo do caso e da forma que a pessoa foi abusada, ela também pode se tornar um abusador no futuro”.

Eliane trabalha há 16 anos como psicóloga e se dedica a projetos relacionados ao setor de infância e juventude da Prefeitura de Birigui.

Estatísticas do Ministério de Justiça comprovam que o número de crianças abusadas sexualmente aumentou. No entanto, muitos casos ainda são omissos. Por qual motivo?
Normalmente, pelo próprio medo das vítimas em denunciar. Porque elas são constrangidas, acuadas. Ao mesmo tempo em que o acusador é de inteira confiança dela, ela às vezes é ameaçada, então não tem coragem de contar. Ela pode não saber o que está acontecendo ou achar que aquilo é normal. Dependendo do tamanho da criança, ela não vai saber se é ruim ou não. Se o abuso acontece no âmbito familiar, facilita ainda mais essa inibição.

Qual faixa etária é mais vulnerável a ser vítima de abuso sexual?
Todos são vulneráveis, mas as crianças ficam mais expostas. Quando vai chegando a adolescência, fica mais difícil, a não ser que a situação seja forçada. Criança é mais vulnerável porque pode ser comprada com um doce, um brinquedo ou com um gesto de atenção.

Quais são as consequências psicológicas, sociais e comportamentais que a criança vítima de abuso sexual pode apresentar no futuro?
A criança pode ter dificuldade de relacionamentos pessoais e conjugais. Ela vai ter sentimentos, às vezes, do que chamamos de menos valia, ou seja, a autoestima dela vai ficar muito rebaixada, se achando como uma pessoa que não tem valor para nada. E dependendo do caso e da forma que a pessoa foi abusada, ela também pode se tornar um abusador no futuro. Existem muitos casos assim.

Dependendo da idade, a criança ainda não tem conhecimentos sobre a conotação ética e moral da atividade sexual, mas mesmo assim, quando abusada, desenvolve problemas psicológicos. Como se explica isso?
Normalmente a vítima não é abusada uma vez só, os abusos são constantes. Nos meus estudos sobre os abusos, fiquei sabendo de casos de meninas que foram violentadas e abusadas sexualmente durante anos. Só depois que completa uma certa idade ela percebe que a situação está ruim, que aquilo é horrível, que não é para acontecer. Daí surgem os problemas, pois a criança toma consciência de que durante todos aqueles anos cometeram uma violência contra ela e, assim, começa a se revoltar. Então o problema não é pequenino. Descobrindo logo, os problemas vão existir, mas serão menores. Agora se for recorrente e se esse ciclo não for quebrado, com certeza a dignidade estará comprometida.

Quais atitudes determinam a prática do abuso sexual?
Existe o abuso com contato físico, que é a própria relação sexual em si, ou apenas o toque com mãos. E o sem contato físico nenhum, que às vezes é o voyeurismo [prática que consiste em obter o prazer sexual apenas ao olhar]. A pedofilia, por exemplo, não exige o contato físico. Só pelo fato de espalhar fotos eróticas de crianças pela internet, já é considerado uma forma de abusar.

Em alguns casos, os pais desconhecem a ocorrência do abuso. Como descobrir se o filho foi molestado?
A criança transmite alguns comportamentos que muitas vezes, num primeiro momento, não é entendido como um pedido de socorro. Crianças que ficam muito quietas, agressivas, isoladas, que passam a ter medo e fogem quando veem determinados adultos, ou que aparecem com hematomas em partes do corpo onde não deveriam ter, são algumas das características que vão fazer os pais perceberem que algo está errado.

Pesquisas apontam que de cada 10 casos, em oito, o abusador é alguém conhecido da vítima. Então isso quer dizer que, na atual conjuntura, não podemos mais confiar em ninguém?
É preciso ficar atento. Apenas pratica o abuso, quem consegue conquistar a confiança da vítima. Se for um estranho ela não vai deixar que se aproxime. Não podemos esquecer que pais, avós, tios, primos, são pessoas que também abusam sexualmente.

A prática do abuso sexual pode ser considerada uma doença?
Em alguns casos até pode-se considerar. Mas em outros, o abusador pode ter sido uma vítima. Se fizermos uma pesquisa com os abusadores, provavelmente veremos que no passado foram vítimas. De repente, pode ser também uma doença emocional ou uma perversão sexual.

Qual a relação entre o abuso sexual e a pedofilia?
Às vezes, na pedofilia, o indivíduo pode não abusar sexualmente da criança. O que vemos atualmente na televisão é que qualquer relação de abuso contra a criança, a pessoa é considerada pedófila. Mas, na verdade, quem abusa não é pedófilo. Por que o pedófilo é aquele que não tem contato com a criança. O abuso é camuflado, não é considerado ainda uma disfunção sexual, um problema de perversão. Acontece com alguém que normalmente não teria interesse nenhum por criança.

Normalmente as crianças revelam o abuso?
Não. Esses dias eu estava vendo na televisão o caso de uma criança que, por conta de um programa que ela assistiu, teve coragem de falar para a mãe que o pai a abusava. Se não fosse por esse programa, ela não iria contar para a mãe tão cedo, iria demorar um pouquinho mais. Revelou por inocência.

Fique por Dentro:
A próxima entrevista será com Nelsinho Júnior, jornalista da TVI - SBT, feita pelos alunos do último ano: Jean, Cecília e Ricardo.

2 comentários:

  1. Parabéns pela entrevista. Todo esforço no sentido de divulgar esse problema cada vez mais recorrente em nossa sociedade é um impulso a mais para encorajar as pessoas a denunciarem.
    Com esse tipo de informação, podemos ajudar muitas famílias a identificar o problema que pode estar dentro de casa, mas, que ainda não foi detectado justamente pela falta de conhecimento.

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  2. Quando a inocência é negada, as consequências futuras podem ser graves. O que mais procupa é a probabilidade de a pessoa abusada vir a se tornar um futuro abusador. Além da denúncia, deveria haver investimentos em projetos de acompanhamento ao indivíduo vítima de abusos. Em Birigui este projeto já é realizado. Parabenizo muito o trabalho da Eliana (Lica).

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